quinta-feira, 10 de junho de 2010

OS SUBMERSOS

Os Submersos

"Poetas amigos que eram placas de rua em Rubinéia:
Que tal a vida aí embaixo do lago?
A princípio é meio estranho, não?
Compreendo, depois a gente se habitua.
Nenhuma casa em que moramos se entrega imediatamente.
É preciso entendê-la, conquistá-la.
E casa de água, então?Uma rua de água, placa indicando esquina de águas transeuntes peixes.
Não é todo dia que um objeto destinado a servir debaixo do sol se encontra em semelhante situação.
Já sei poeta Bandeira que você está rindo,achando graça no desconforto líquido,captando com olhar agudo a mobilidade de tons diferentes de água,para lhes atribuir correspondência verbal.
E você, poeta Cecília, o que conta dessa viagem às vidas submersas,as Holandas hidroelétricas,país de água de Ilha Solteira que romanceiro algum ainda não cantou.
Está conferindo o verde de seus olhos com esse verde piscina?
Olha: aquele velhinho ali foi seu vizinho aos tempos de Cosme Velho.
Uma reverência a Machado de Assis,mesmo em camadas profundas,precisamente belas,é de bom preceito.
O ácido Graciliano está mais adiante e ainda não se conformou em ser nome de rua.
Acha que tudo isso é palhaçada.Não importa. Se os nomes falam entre si,as placas também dialogam e a dele tem um bom papo de quem viveu momentos fortes e, como ele, sabe comunicar-lhes a emoção em linguagem ríspida.
A represa não é um cárcere,como aquele em que o romancista ruminou por faltas não cometidas.
É uma nova Rubinéia, isentadas limitações municipais da superfície.Sem trânsito de veículos assustadores,sem impostos, papéis,discursos, notícias, bases mil,que toda cidade se corta.
Percebo, afinal, essa é a Pasárgada de Manuel Bandeira,oculta em oito milhões de metros cúbicos de água.
Eis aí meus caros amigos:a vocês uma boa sorte e muito progresso e alegria."

Carlos Drummond de Andrade -poema escrito em 1973 em homenagem às placas de ruas submersas em Rubinéia.

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